Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O Dilema das Bibliotecas, por Umberto Eco

Da Biblioteca

Nesta breve homenagem a Umberto Eco, gostaria de relembrar um pequeno e precioso opúsculo, no qual o escritor disserta sobre as bibliotecas, suas tipologias, as alegrias que elas nos proporcionam, as irritações a que somos submetidos em algumas instituições e um dilema muito atual, a saber, o conflito entre o acesso aos livros e a sua conservação.

Umberto Eco (Alexandria, 1932-Milão, 2016)
[...] Enfim o problema final; é preciso decidir se se quer proteger os livros ou os fazer ler. Eu não digo que devemos fazê-los ler sem os proteger, mas não se pode do mesmo modo protegê-los sem que eles possam ser lidos. É preciso que um ou outro ideal prevaleça e que, depois, se preste contas com a realidade para a defesa do ideal secundário. Se o ideal secundário consiste em fazer ler o livro, será necessário protegê-lo o máximo possível, mesmo sabendo que ele corrirá alguns riscos. Nesse sentido, o problema de uma biblioteca não é diferente ao de uma livraria. As livrarias sérias que conservaram suas prateleiras de madeira e, nas quais, desde que se entra, um senhor se aproxima e diz: "O que o senhor deseja?". O que o deixa intimidado e convidado a sair do recinto; nessas livrarias roubam-se poucos livros. Mais eles são igualmente pouco comprados. Existem, de outro lado, as livrarias-supermecados, com suas estantes de plástico, onde as pessoas, os jovens, particularmente, flanam, olham, informam-se sobre o que é publicado e, ali, rouba-se a despeito dos controles eletrônicos. Às vezes ouvimos dizer um estudante: "Ah, este livro é interessante, amanhã eu virei roubá-lo". Entre eles as informações circulam. "Atenção, se te pagam no Feltrinelli, isto custa caro".  "Ah, então, eu irei ao Marzocco que abriu um novo supermercado". Aqueles que organizam as cadeias de livrarias sabem, no entanto, que a um certo ponto a livraria que tem uma taxa elevada de roubos é igualmente aquela que vende mais. Rouba-se muito mais em um supermercado do que em uma mercearia, mas o supermercado faz parte de uma grande cadeia capitalista, enquanto que a mercearia consiste em um pequeno comércio com um número de negócios bem pequeno". 
Umberto Eco, De Biblioteca. Traduit de l'italien par Eliane Deschamps-Pria. Frontispice de Vieira da Silva. Paris: L'Echoppe, 1986, pp. 29-30.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Os Dominicanos e os Livros

Exposição de livros na Bibliothèque Mazarine celebra 800 anos da ordem e recupera a memória dos livros de sua mais antiga biblioteca fundada em Paris

Exposition présentée à l'occasion des 800 ans de la fondation de l'Ordre Dominicain.
Commissaire de l'exposition : Florine Lévecque-Stankiewicz
Fundada em 1218, na rua Saint Jacques, a biblioteca da ordem dos dominicanos se formou pela doação de diversos livros, dos mais modestos, aos mais imponentes. Também se abriu à atividade pedagógica, de tal sorte que se tornou uma instituição de leitura e ensino de prestígio, no coração do Quartier Latin. Algumas figuras da ordem falam com eloquencia de sua importância nos estudos medievais e, de forma mais ampla, na cultura ocidental. Assim os manuscritos de São Thomás de Aquino, Hugues de Saint Cher se somam a
um corpus medieval da coleção [que] reflete a atividade do Studium general, fundado em Paris para ssegurar a formação teológica dos predicadores: ali se encontram os textos sagrados, os instrumentos elaborados para os estudos e confrontações e obras de numerosos teólogos de uma ordem particularmente ativa no plano espiritual e da pesquisa.
Aquela antiga biblioteca sucumbiu à Revolução Francesa, em sua fase mais radical. Ao lado de outras coleções religiosas e aristocráticas que tiveram o mesmo fim. O que faz da exposição um acontecimento muito especial para os historiadores e amantes do livro, pois não se trata de recompor um acervo reconstituído em vitrines, mas de recuperar os elos perdidos desde a dilapidação da biblioteca.
A abertura da exposição foi coroada por um belo seminário, todo ele voltado para uma reflexão sobre a importância da ordem dos predicadores a partir de quatro eixos:
- A transmissão da mensagem religiosa, em que se descutiu, dentre outros temas, a relação da ordem com as mulheres e, em particular, com a Imaculada Conceição, resgatando um debate importante no alvorecer da modernidade europeia;
- "Autoconsciência": os dominicanos no espelho de suas obras. Nesta seção, os estudiosos se voltaram para a história da ordem e de seus principais personagens na Europa Moderna, com ênfase em suas atividades espirituais e intelectuais;
- Os dominicanos e os outros, em que se discutem, em uma perspectiva mulstissecular, as relações estabelecidas entre os frades dominicanos e franciscanos, com os mulsumanos, a problemática da inquisição e, no século XX, a promoção da unidade cristã, tal como ela se coloca na perspectiva dos dominicanos franceses;
- Reformas, crises, variações, ou simplesmente varia, colocam-se questões atinentes à Revolução Francesa, ao neotomismo e à edição, de forma especial, às Éditions du Cerf.
Embora o seminário se volte para temáticas quase exclusivamente francesas, afinal, trata-se de refletir sobre os 800 anos de uma ordem fundada em Toulouse, em um momento de crise, em que pululavam as chamadas ordens heréticas, dentre as quais, os albigenses, há aspectos ou questões que poderiam iluminar uma reflexão paralela, sobre a presença da ordem dominicana no Brasil e na América Latina.  Claro, é possível resgatar os vínculos da ordem com o processo de evangelização ocorrido nos tempos coloniais, em todo território americano, o que faz de Las Casas seu principal expoente.
Mas a ordem está muito próxima de nossa história recente e da presença da Igreja, de uma certa igreja, é verdade, nos momentos decisivos da luta contra a Ditadura no Brasil.
Celebremos, portatando, o jubileu da Ordem dos Pregadores, fundada por São Domingos. Uma ordem que fez da luta missionária uma luta pela causa da humanidade. E que nunca abandonou os livros, como bem o demonstra esta exposição e os exemplos deixados por seus irmãos.
Para saber mais:  https://centenairedominicains.fr