Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Defesa de Dissertação de Mestrado - PPGHE - FFLCH-USP

Editar a Revolta: Edição e Circulação de Impressos Anarquistas em Buenos Aires (1890-1905)

Eduardo Augusto Souza Cunha


Banca Examinadora:
Horácio Tarcus - Universidade de Buenos Aires
Lincoln Secco - Universidade de São Paulo
Rodrigo Rosa da Silva - Universidade Federal de Santa Catarina

Presidência:
Marisa Midori Deaecto - Universidade de São Paulo

LOCAL: 
Prédio da Administração da FFLCH-USP
Sala 114

DATA/HORÁRIO
07/06/2018
14H30

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Livro: Tradição, Inovação

Tradição

Conta-se que logo após a impressão das primeiras Bíblias, no então desconhecido ateliê tipográfico de Johannes Gutenberg, situado na pequena Mogúncia (atual Mainz), seu sócio e financista Johan Fust correu para Paris com uma dúzia de exemplares, afim de converter em dinheiro os livros recém-impressos. No velho Quartier Latin, onde pulsava uma vida universitária e a economia do livro manuscrito medrava, a desconfiança foi enorme. Um homem germânico de posse de uma dúzia de Bíblias idênticas? Isso só poderia ser coisa do demônio! Não demorou Fust passar por Faust... e fugir de Paris. Um quarto de século mais tarde, a mesma Paris dos mestres copistas, encadernadores, livreiros e pergaminheiros, viria a ser um dos principais centros tipográficos da Europa. 
Não há inovação que se imponha sem desconfianças e resistências. 
A Bíblia de Gutenberg, a famosa Bíblia de 42 linhas – o fac-símile acaba de ser publicado pela editora Taschen, sob a direção de Stephen Füssel – consiste em um testemunho material eloquente dos meios e do esforço aplicado por seu criador para que aquele livro, detentor de uma revolução sem precedentes, reproduzisse, sem maiores alardes, as Bíblias manuscritas então em voga. É que a inovação técnica, para Gutenberg, não teria valor se não correspondesse à tradição, ao gosto dos leitores. 
Todavia, a invenção da imprensa significou “a primeira revolução midiática” do Ocidente, ao abalar toda a estrutura do sistema de comunicação e da própria sociedade, em meados do século XV, como afirma Frédéric Barbier[1], em estudo recém-publicado no Brasil. De modo análogo, uma nova revolução no sistema de comunicação se anuncia, há pelos menos duas décadas. Passado e presente nos convidam a refletir sobre o impacto das tecnologias de informação e comunicação sobre o livro.

Revolução/Inovação

A maior invenção do novo milênio aparece sob a forma do livro digital, ou e-book. Os suportes eletrônicos apresentam muitas qualidades em relação aos livros: em um mesmo objeto podemos armazenar bibliotecas tão extensas que não poderão ser lidas no espaço de uma vida; eles são leves e portáteis, tanto quanto os celulares, os quais, na verdade, têm se mostrado muito mais úteis, até para a leitura; a tela é iluminada, o que permite ler em qualquer ambiente. Entre essas e muitas outras vantagens, vale dizer que o livro eletrônico não se desprendeu do livro tradicional no que toca às formas de leitura. Ele simula o barulho da folha, reconstitui a composição da página e a estrutura do texto impresso. Talvez porque a tradição, no caso das práticas de leitura, seja mais resistente a mudanças do que a própria concepção do objeto. Cumpre assinalar, inclusive, que o e-bookpoderia ter outro nome qualquer, não fosse a força da palavra-ideia livro.
Esses suportes têm sido alvos de tantas comparações que, hoje em dia, é difícil tomar um partido seguro. Livros eletrônicos e textos digitais compõem a vida de leitores e leitoras de diferentes gerações, tão naturalmente quanto os livros e os textos impressos. Mas seria um erro afirmar que texto e livro se confundem. Os textos são inerentes aos suportes, poder-se-ia mesmo admitir que os suportes compõem textualidades, de tal forma que o continente não se aparta do conteúdo. E todos esses elementos se integram e interagem em um mesmo sistema midiático. 

Tradição/ Revolução

Notemos que da mesma maneira que Gutenberg se esforçou para guardar no livro impresso os componentes de uma tradição manuscrita, também as novas tecnologias se esforçam para preservar o que há de melhor na tradição impressa. As tecnologias tornaram até mesmo possível o acesso ilimitado e sem fronteiras aos livros depositados nas bibliotecas do mundo! 
Então, por que ferir a tradição e forçar o tempo?
Desde o século XV, a inovação que representou o livro impresso se ancorou nas sociedades desenvolvidas, para então se difundir na direção das semiperiferias e periferias em escala mundial. O movimento é lento, sobretudo quando se trata de atingir diferentes camadas leitoras de uma dada sociedade. Leitores se apoiam na tradição, pois as próprias instituições formadoras – desde as escolas primárias até as próprias bibliotecas – são resistentes às transformações. É preciso respeitar o tempo e as tradições de cada cultura. 
O próprio mercado sinaliza essa realidade: os livros impressos superam em produção e vendas os e-books. Porém, em alguns circuitos não faz sentido insistir nos velhos e ultrapassados códices, particularmente nos setores universitários, cujas pesquisas, fortemente associadas às demandas da indústria e do consumo de tecnologias, consistem justamente em forçar o tempo e desafiar a tradição.  
Diante de realidades às vezes discrepantes, o que fazer? Impor uma mídia sobre a outra? Fechar as livrarias, exigir das editoras um compromisso maior com os livros eletrônicos, alterar o tempo de aprendizado dos leitores, obrigar toda uma sociedade a ler afórceps?
Um outro paralelo pode ser útil. Sabe-se que durante a Revolução Francesa as bibliotecas principescas e religiosas foram saqueadas, pois elas simbolizavam um passado e um regime que deveriam ser superados. O que foi feito dos livros? Eles foram acomodados em modernas bibliotecas públicas, mantidas pelos municípios. Mutatis mutandis, podemos dizer que no processo revolucionário, o caminho mais sábio é aquele que tira partido da tradição em proveito do desenvolvimento e do progresso. 
É preciso converter a tecnologia para o bem da cultura. Livros impressos são ainda necessários, tanto quanto as livrarias e toda a cadeia produtiva que ele movimenta. Os livros impressos disponibilizam materialmente um mundo ainda pouco desbravado pelos jovens leitores brasileiros, muitos deles ingressantes nas universidades. E isso não se faz em detrimento das mídias eletrônicas e dos novos suportes, elas conformam hoje um circuito paralelo e igualmente rentável. 
Além disso, sabemos que o sucesso da inovação no campo da leitura só é possível sobre um terreno bem cimentado de leitores. Noutros termos, não há inovação que se imponha sem uma tradição bem fundada.
Publicado em: https://jornal.usp.br/artigos/livro-tradicao-inovacao/


[1] Frédéric Barbier, A Europa de Gutenberg. O Livro e a Invenção da Modernidade Ocidental (Séculos XIII-XVI). São Paulo: Edusp, 2018.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Lançamento: Guilherme Mansur em Editando o Editor, n.9

Fui alfabetizado por uma caixa tipográfica.


Guilherme Mansur tem um perfil profissional raro, pois suas atividades estão todas articuladas à cadeia produtiva do livro, desde a concepção de uma ideia, passando pela ideia de uma página, até atingir o próprio suporte dessas ideias, ou seja, o livro.
Eu digo isso porque é muito raro encontrar nos dias de hoje uma figura tão plural e, ao mesmo tempo, tão única. E por que essa raridade? Por que desde a invenção dos tipos móveis, a tipografia e, mais propriamente, a produção do livro obedeceu a uma tendência multissecular de profissionalização e especialização que atingiu seu zênite no século XIX, quando houve uma distinção mais evidente entre o Publisher, o Editor e o Operário Gráfico. E quando falamos em operários gráficos queremos dizer que o ambiente da impressão se descolou completamente do ambiente de produção intelectual e o gráfico passou a condição de operário assalariado, ou seja, trabalhador desprovido de seus meios de produção.
Mas, quando lemos esse belíssimo relato de Guilherme Mansur, essas fronteiras ficam menos claras. Há muita atividade intelectual e criativa em um atelier tipográfico. Da mesma maneira que a poesia e a escrita se constrói com muito suor, é trabalho mental e corporal.
* * *
Guilherme Mansur nasceu em Ouro Preto, em 1958, onde reside até hoje. E, como ele mesmo relata, “fui alfabetizado por uma caixa tipográfica".
Editou, no sentido mais amplo possível da palavra, clássicos da literatura, mas, também, autores jovens, que viriam a escrever páginas importantes na história das vanguardas artísticas. Considerando o catálogo de publicações da Tipografia do Fundo de Ouro Preto e de outros selos para os quais contribuiu, podemos enumerar: ....
Guilherme Mansur, o nono volume da Coleção Editando o Editor, uma publicação da Com-Arte e Edusp, foi organizado por Simone Homem de Mello, uma importante e fecunda artífice das palavras.

sábado, 12 de maio de 2018

O Título de um Livro, de Lincoln Secco

Lincoln Secco me enviou esse belo artigo e pediu que eu publicasse em nosso blog.
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/24/politica/1516815938_008656.html
O tempo anoitece as leituras. Aos dezessete anos eu estava entre perdido e apaixonado nas manhãs da USP. Eram tempos de cursar as letras, ler a Crestomatia Arcaica com as canções medievais, estudar a morte na literatura, os volumes infindos do padre Bernardes, as edições originais dos livros de Otto Maria Carpeaux, que os li todos. Estranhava os títulos : Origens e Fins, a cinza do purgatório... Tanto quanto os belos que me caiam às mãos : Amor de Perdição, admirável mundo novo, os donos do poder, casa grande e senzala.... Ou o mais encantador da colônia, mais que Cultura e Opulência do Brasil. Lembro do Divertimento admirável para os historiadores curiosos observarem as máquinas do mundo reconhecidas nos sertões da navegação das minas de Cuiabá.
Um dia um jovem professor me viu com A Gloria de Cesar e o Punhal de Brutus, de Alvaro Lins. Alguém ainda lê isso? Não podia responder que só porque o título me atraía. E que um livro vale não pela capa, mas às vezes pelo título. Desculpe professor, peguei ao acaso. Murmurei. Como podem ser belos os de alguns livros fortes: Esta Noite a liberdade, as veias abertas da América Latina, os condenados da terra...
Nos sebos dos anos 1980 um livro despedaçado na Rua Rodrigo Freitas sempre me chamava a atenção : Tratados, Farrapos de Papel. Era uma frase do chanceler alemão Bethmann Hollweg. Hoje eu sei. Não havia ainda para mim os historiadores, só o teatro da coleção abril e seus Pirandello, Albee e Ibsen que um astrólogo Fernando Guimarães me emprestava antes de partir para San Francisco. E o cheiro de terra e sangue nos contos de Verga. E Italo Svevo. Alberto Moravia lido à espera do amor não correspondido. Uma tarde, depois do bandejão, fechei os olhos na última página do diário de Cesare Pavese : “Non scriverò più “. E não mais escreveu. Matou – se o autor de A Lua e as Fogueiras. O combatente antifascista.
Eu lia insaciado entre os estudantes desapressados do Crusp. Veronica me oferecia Lula : a biografia de um operário e Eduardo o Pai Patrão. E eu perambulando pelas bancas de livros usados do Evandro e do Jai, no DCE Livre onde havia a menininha Isadora antes de saltar da vida, a dançarina Raquel, os punks do uspício, os poemas ainda não escritos de Heitor, as esperanças do Mao na Revolução, os olhos da Silvia. Ubi sunt? O professor Davi Arrigucci falava “Bakhtin” enquanto salivava envolto com as próprias ideias. Ali ruminava suas Leituras de Manuel Bandeira. Elias intentava um romance, Eduardo uns versos e todo mundo queria a poesia. Eu lia só os títulos enquanto imaginava Raquel selar as cartas que me enviava com seus lábios adstringentes. E pareciam dizer: vamos viver no nordeste. Vamos viver de brisa.
Numa livraria tantos anos depois eu procurava um título que desejo com todas as minhas vontades : Tous les chevaux du Roi de Michele Bernstein. Ah, que título. Mas meus olhos se espantam entre as lombadas da estante com “A história de um mentiroso “, um Bakhtine Démasqué... Folheei triste, deixei. E o pesquisador Bruno Gomide da USP descobre que Otto Maria Carpeaux plagiou Walter Benjamin... O meu Carpeaux! Na imprensa leio editoriais fascistizantes, notícias verdadeiras (prefiro as falsas) e que o escritor brasileiro mais rico recebe um repórter em sua pequena mansão Suíça. Nela não há um único livro.
Tempos de restauração. Sei que no Sul do país um ex presidente lê num cárcere. E se dessa vez eu fosse viver no nordeste?